Mário Rita, "le voyeur” no caminho da luz

Exposição “Les Voyeurs”, de Mário Rita
Lisboa, Miguel Justino Contemporary Art, 24 set. – 24 out. 2015

São para mim verdades do Homem que se renova […] pela singularidade que alguns conseguem ver. Esses tenho a certeza que levam na frente a Luz.
Mário Rita, 2015

Em Mário Rita, sobressai a força com que liberta o seu universo introspetivo na linha, no traço, nas manchas, no gesto subentendido. Entre o abstracionismo mais minimalista, o figurativismo e o neoexpressionismo mais intuitivo, Mário Rita exercita a capacidade do desenho a carvão nas representações de figuras fragmentadas ou intersecionadas, em que se misturam pinceladas fluídas de cor e colagens, velaturas e opacidades, ou, nas obras mais recente, experimentando materiais inéditos como as colchas de seda com texturas e padrões que se insinuam sob a pintura. No desenho, ou na pintura, o impulso subjetivo do gesto predomina sobre a geometria da composição.

Exposição "Les voyeurs", 2015.

Exposição “Les voyeurs”, 2015.

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Uma telha para São Cristóvão

Ou um exemplar projeto de angariação de fundos, levado a cabo pelo Padre Edgar Clara, pároco na igreja de São Cristóvão.

A igreja de São Cristóvão, no coração da Mouraria, em Lisboa, construída no século XVI e com o interior integralmente revestido a talha dourada barroca, sendo considerada um dos mais relevantes exemplares do “Estilo nacional”, e é uma das poucas igrejas que subsistiram ao terramoto de 1755. Está classificada como monumento de interesse público.

Igreja de São Cristóvão Foto: CML, 2015

Igreja de São Cristóvão
Foto: CML, 2015

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Lamento pelos homens e pelas pedras

Templo de Bel Palmira, Síria Foto: Bernard Gagnon, 2010.

Templo de Bel
Palmira, Síria
Foto: Bernard Gagnon, 2010.

O templo de Bel, na antiga cidade síria de Palmira, foi destruído pelos militantes do Estado Islâmico: tinha havido a notícia de uma grande explosão no passado fim-de-semana, surgiu a hipótese de o templo ter sido poupado, veio agora a confirmação através da imagem de satélite, que mostra a desolação de duas colunas solitárias, no que antes havia sido um complexo arqueológico monumental. O templo, consagrado ao deus semita Bel, foi erguido no ano 32 sobre templos anteriores e era considerado um dos mais importantes edifícios religiosos da região e um dos mais relevantes exemplares da síntese entre os modelos arquitetónicos greco-romanos e a influência dos estilos vernáculos do Próximo Oriente. Continuar a ler

É, outra vez, uma pintora chamada Josefa… Acerca dos textos da exposição no Museu de Arte Antiga

Exposição “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português
Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, 16 maio – 6 set. 2015

É a primeira vez que, neste blogue, escrevo duas vezes sobre o mesmo assunto. E não o faria se a Maria Vlachou não me tivesse referido – em comentário público no Facebook – que a experiência que teve nesta exposição não era assim tão positiva como a contava em Era uma vez uma Era uma vez uma pintora chamada Josefa. Acontece que Maria Vlachou é voz creditada em assuntos de comunicação cultural ((Dispensa apresentações, mas é a fundadora e diretora da Acesso Cultura e autora do blogue Musing on Culture.)) e as sua opiniões nesta matéria merecem ser ouvidas, até porque é das poucas pessoas entre nós a refletirem publicamente sobre isto.

Eu gostei da exposição; os “meus adolescentes”, que costumo usar como barómetro da eficácia comunicativa dos museus ou das exposições a que vamos, também gostaram a ponto de perder a noção do tempo.

Exposição "Josefa de Óbidos": entrada Museu Nacional de Arte Antiga Foto: MIR, 2014

Exposição “Josefa de Óbidos”: entrada
Museu Nacional de Arte Antiga
Foto: MIR, 2014

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Era uma vez uma pintora chamada Josefa…

Exposição “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português
Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, 16 maio – 6 set. 2015

A exposição “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português” é mais do que a apresentação da pintora e da sua obra. A propósito desta exposição, apetece dizer “era uma vez”, porque aqui se conta uma história, entre tramas e contextos que se cruzam, narrativas que se sucedem acerca dos seus lugares, dos tempos, das relações e das referências que construíram a vida e a arte de Josefa de Óbidos.

Há muito tempo que não gostava tanto de uma exposição. E devo confessar que não sou (ou não era) apreciadora de Josefa de Óbidos, apesar da revelação iniciada por Nuno Vassalo e Silva, numa visita sem pressas, em 1991, na Galeria D. Luís, já deserta após o fecho da exposição. Mesmo assim, não consegui ultrapassar o preconceito acerca de uma pintura aparentemente monocórdica e ingénua, com uns Meninos corados, de corpinho rechonchudo percetível sob a camisinha rendada, barros decorados com laços de seda e cestas de flores e frutas…

Menino Jesus, Salvador do Mundo (3) Exposição "Josefa de Óbidos..." Foto: MIR, 2015

Menino Jesus, Salvador do Mundo (3)
Exposição “Josefa de Óbidos”
Museu Nacional de Arte Antiga
Foto: MIR, 2015

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Narrativas da coleção SEC e o Museu do Chiado

Narrativas de uma coleção acidentada

No mínimo invulgar: uma semana antes da inauguração da exposição da Coleção SEC, no Museu do Chiado (MNAC-MC), o diretor do museu, David Santos apresentou a demissão alegando “incompatibilidades insuperáveis” com a tutela.

David Santos, no Museu do Chiado

David Santos, no Museu do Chiado

A coleção da Secretaria de Estado da Cultura (SEC), conhecida como Coleção SEC, é um acervo de quase um milhar de obras, adquiridas pelo estado desde 1976 – muito por ação de Fernando Calhau, simultaneamente artista, funcionário da Secretaria de Estado, além de membro fundador e diretor do Instituto de Arte Contemporânea – com obras representativas, em particular, das décadas de 1960 a 1980 e da produção dos mais relevantes artistas portugueses contemporâneos: Vieira da Silva, Júlio Pomar, Lourdes Castro, René Bértholo, Helena Almeida, Julião Sarmento, Menez, Carlos Botelho, Carlos Calvet, Catarina Baleiras.

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Dia de Portugal

O conceito moderno de nação surgiu no século XVIII, no contexto do Iluminismo e da Revolução Francesa e ao mesmo tempo que se criavam os primeiros museus com o objetivo de salvaguardar e disponibilizar, a toda a sociedade, o repositório patrimonial que materializava a sua cultura e identidade.

Em Portugal, no último quartel do século XIX, foram várias as comemorações que serviram como pretexto para a exaltação de acontecimentos e heróis que incrementassem o orgulho nacional, ao mesmo tempo que funcionavam como veículo de propaganda da ideologia anticlerical e republicana, das quais a mais relevante ocorreu em 1880, assinalando o centenário da morte de Camões, figura que se tornou um símbolo da luta pela independência do reino contra a presença e influência dos ingleses e baluarte das ideias republicanas. O ideal heroico e romântico do poeta que cantara a saga dos Lusíadas era o reverso positivo de um Portugal em crise e desesperançado.

Luiz de Camões Gravura de Joaquim Pedro de Sousa.  [Lisboa: Imprensa Nacional 1873]

Luiz de Camões
Gravura de Joaquim Pedro de Sousa.
[Lisboa: Imprensa Nacional 1873]

Assim, na sequência da implantação da República, a 5 de outubro de 1910, foi publicado, logo na semana seguinte, o decreto que estipulava os feriados nacionais, transferindo para os municípios a possibilidade de escolherem a data que melhor refletisse a sua história ou tradição. Lisboa escolheu, para feriado municipal, o dia 10 de junho, evocando as comemorações camonianas de 1880 e o papel que tiveram a divulgação do ideário republicano, ao mesmo tempo que, através da exaltação do mais celebrado dos poetas portugueses, procurava diminuir o impacto da festa de Santo António, padroeiro da cidade, a 13 do mesmo mês.

Durante o Estado Novo, Salazar transformou o dia em feriado nacional, com a designação de Dia de Camões, de Portugal e da Raça, acentuando o valor simbólico de Camões como epicentro da memória coletiva, dos seus heróis mais destacados e dos momentos mais gloriosos da história nacional, e anexando-lhe um inevitável propósito propagandístico do regime e do império colonial. Entretanto, em 1952, retomou a festividade do São Miguel Arcanjo, como Anjo Custódio do Reino, ou Anjo de Portugal – instituída em 1504 pelo papa Júlio II e a pedido do rei D. Manuel I – inserindo-a no Calendário Litúrgico também a 10 de junho, conferindo um caráter simbólico e religioso à celebração do dia nacional.

Após o 25 de abril, em que se esvazia o sentido dominante da anterior propaganda, o dia 10 de junho designa-se, a partir de 1978, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. As comemorações oficiais são presididas pelo Presidente da República, que todos os anos escolhe uma cidade para acolher as cerimónias oficiais e, em particular, a imposição de insígnias aos agraciados com graus das Ordens Honoríficas Portuguesas. Este ano, destaca-se a condecoração, a título póstumo, do Prof. Mariano Gago com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. Provavelmente, todos concordam que é muito merecida, mesmo tendo como pano de fundo a destruição da sua obra em prol do conhecimento e da investigação científica.

No âmbito das artes e da cultura, foram agraciados Querubim Lapa e Alexandre Farto (Vhils; vd. texto que publicou no FB), o que parece indiciar alguma preferência pela arte pública e de rua – e isto seria um indício positivo de valorização de artes que algumas elites tendem a preterir. E foi também agraciada Isabel Silveira Godinho, antiga diretora do Palácio da Ajuda e figura arcaica de uma família (até em sentido literal) de conservadoras de museu que dominou a prática da museologia portuguesa… – o que já não parece ser indício de coisa alguma.

Sem título Querubim Lapa, 2013 Centro Português de Serigrafia

Sem título
Querubim Lapa, 2013
Centro Português de Serigrafia

Quanto às iniciativas culturais neste dia, bem que se pode procurar informações nos sítios web da Presidência ou do Museu da Presidência de Portugal, ambos ultrapassados e desatualizados – veja-se a página “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, cujas referências mais recentes remontam a 2012(!). No sítio do Museu da Presidência, na página de acolhimento, o primeiro ponto da agenda refere-se a mais uma exposição de Tapeçarias de Portalegre – que, de resto, tem sido o fulcro da ação deste museu, numa fusão de interesses entre o público e o privado que, no mínimo, se estranha por ser tão intensa – e, mais abaixo, a referência à exposição “Santiago por Portugal”, patente no Museu Diocesano de Lamego, “a propósito das comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesa” – numa serena convivência entre o civil e o religioso, que se sublinha por se tratar da Presidência dum país laico. São pequenos eventos, de acanhada perspetiva e baralhados num cenário de indecisão, incapazes de transmitir algo de novo ou de motivador no marasmo em que o país nos deixa irremediavelmente mergulhados. Neste Dia de Portugal, são metáfora da relação entre o poder e a cultura e da forma como o poder nos projeta enquanto nação.

Nação que escolheu, como dia principal, aquele em que se assinala a data (incerta) da morte de um poeta.

Fontes das imagens:
http://purl.pt/1127/2/e-3548-p_JPG/e-3548-p_JPG_24-C-R0150/e-3548-p_0001_1_t24-C-R0150.jpg https://www.cps.pt/Default/pt/Homepage/ObraGraficaOriginal/Obra?id=33362

O despertar da era da experiência, segundo Sarah Kenderdine: museus e humanidades digitais

“We are in the midst of a transformation, from a world of screens and devices to a world of immersive experiences”.
Brian Krzanich

Sarah Kenderdine, diretora adjunta do National Institute for Experimental Arts (NIEA) e diretora do Laboratory for Innovation in Galleries, Libraries, Archives and Museums ( iGLAM Lab), na University of New South Wales: Art & Design (Australia), esteve em Portugal para apresentar a palestra The age of experience: cultural heritage in future museums, organizadas por Helena Murteira (CHAIA/UE – Linha de História da Arte), Paula André (DINÂMIA’CET-IUL/ ISCTE-IUL – Linha Cidades e Territórios) e Daniel Alves (IHC/FCSH/UNL – Linha de Humanidades Digitais e Investigação Histórica), no passado dia 1 de junho, no auditório J.J. Laginha no ISCTE-IUL.

Sarah Kenderdine  ISCTE-IUL, 2015.

Sarah Kenderdine
ISCTE-IUL, 2015.

Partindo da epígrafe de Brian Krzanich, CEO da Intel Corporation, Sarah Kenderdine redefine o conceito de museu em função da transformação da nova era digital, no que respeita ao desenvolvimento de novos recursos quer para transmissão do conhecimento, quer para a criação de experiências imersivas centradas no sujeito.

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