No museu: da interdição à emoção

“Ne pas toucher, ne pas courir, ne pas parler : les expositions sont souvent le lieu de toutes sortes d’interdits.” (Lequeux, 2014, 28 fev.)

A frase abre um artigo de Emmanuelle Lequeux, publicado no Le Monde, acerca da exposição “Des choses en moins, des choses en plus” (Paris, Palais de Tokyo à Paris, 14 de fevereiro – 2 de março 2014).

Não tocar, não correr, não falar…

O museu define-se como um espaço ritualizado, de comportamentos padronizados, atitudes contidas e emoções reprimidas. O objetivo imediato é a preservação e segurança dos objetos expostos, mas o propósito imanente está para lá da conjuntura física da musealização. A ritualização do comportamento museológico prende-se com a elaboração conceptual do museu como o local de um novo culto, para o qual se transferiram as normas associadas ao espaço sacralizado, gerador de inibições e constrangimentos: não tocar, não correr, não falar…

Berlim, Gemäldegalerie, julho 2012.

Berlim, Gemäldegalerie, julho 2012.

O visitante, depois de cumprir os formalismos da entrada, vencida a etapa iniciática da admissão, é submetido a uma vigilância contínua, mesmo que apenas intuída, e a uma implícita avaliação de desempenho. Agindo, quer por imitação de outros indivíduos, observáveis no decurso da experiência, quer pela memória de experiências pessoais, o visitante procura adequar-se e agir em conformidade com comportamento social expetável e com a imagem que pretende dar de si mesmo. Também por isso, a primeira visita ao museu – ao teatro, à ópera, à biblioteca – raramente se faz de forma individual e espontânea, mas sim integrada numa experiência gregária em que o “eu” se dilui na pluralidade indistinta do grupo. Este constitui o sistema dinâmico através se constrói a conduta: não tocar, não correr, não falar…

A interdição tem sido parte integrante do discurso, genericamente monológico, que o museu estabelece com o público. Em particular nos museus de arte, em que o afastamento implícito do objeto é sublinhado pelo aparato museográfico. A exposição do Palais de Tokyo procura desconstruir este paradigma ao abordar novas fórmulas expositivas a partir das coleções do Centre national des arts plastiques, onde se entrecruzam outros domínios transdisciplinares e nas quais se incluem formas preformativas, sonoras e coreográficas. A exposição fundamentada em “Des choses en moins, des choses en plus” equaciona novos modelos museológicos, onde a interdição se dilui em contextos mais fluidos. A desconstrução do espaço museológico, normalizado e rigoroso, desencadeia reações menos formais, propiciadoras de uma apreensão-fruição mais ampla e dinâmica da obra de arte exposta.

Se a reflexão em torno da comunicação do museu tem vindo a abordar as questões do comportamento implícito, é também a partir das conexões que se estabelecem com a componente performativa da musealia que se redefine a substituição da abordagem passiva e observadora para uma ação mais intuitiva e participativa. Esta questão afigura-se como um dos mais estruturantes aspetos da imperiosa mudança de paradigma no museu, passando do “não tocar” (interdição) ao “deixar-se tocar” (emoção) – não, não se pretende que o visitante toque no objeto, mas que este “toque” o visitante, através do sentir subjetivo, da memória e, portanto, da emoção.

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